segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lua


            Há dezoito anos que a humanidade não era presenteada, com o privilégio de ver de tão perto esta entidade astral  dona das marés. Embora nesse dia a faina não tenha sido a melhor, ao longo da tarde, o aperto do agonizante dever de relatar o cenário divino que presenciei, consumia a minha vontade perante outras tarefas. O que impele o homem a sentir tal avassalador fulgor que só a escrita consegue acalmar? Quem sabe, o dever de escrever aquilo que tem que ser escrito. Encontro a harmonia desejada ao relatar esse acontecimento da seguinte forma: O brilhante raio de luz da Lua rasgava o mar em dois, abismado por esta espada dos deuses envolvo-me no beliche, em pensamentos tão profundos como o mar  gélido e longínquos como o horizonte negro. Horizonte  que termina numa constelação em linha preenchida de ofuscantes estrelas. Que estrelas rasteiras são estas que se confundem com as outras lá do alto? Afinal, não eram estrelas, mas as luzes dos barcos que polvilhavam lá fora o horizonte negro.  E nesse instante penso na dualidade da vida. No escuro há sempre uma luz. O mar de fora faz o barco baloiçar, de borda a borda, ouço com clamor o chapinhar do mar salgado na proa. E como se de um sino se tratasse, o compassado chapinhar, as badaladas que avisam os seres marítimos que a hora da faina chegou.  Chegado ao mar da pesca, o mestre dá a ordem.
- Arreia a bóia!
- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
- Agora, ninguém sabe quem vai bem ou quem vai mal.
            Enquanto largávamos a rede a vinte mil rotações, fui atacado pela magnificência daquele astro, que se colocava precisamente no meio do pente, por onde a rede tinha o último contacto com o barco antes de descer as profundezas do mar salgado. Poética visão, quase fazendo parar o tempo, não dei conta que trinta minutos de rede larga tinha passado e que os últimos panos estavam quase a sair. Interrompido pelo questionamento do mestre, acordei daquele divino transe luminoso que ofuscou-me o espírito como nada nem ninguém jamais tinha conseguido. Afinal a Lua é mãe de todos nós, penso que esse foi o primeiro contacto que tive com essa mãe que foi e será  mãe, muito depois das outras mães já cá não estarem.

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