Há dezoito anos que a humanidade não era presenteada, com
o privilégio de ver de tão perto esta entidade astral dona das marés. Embora nesse dia a faina não tenha sido a melhor, ao longo da
tarde, o aperto do agonizante dever de relatar o cenário divino que presenciei,
consumia a minha vontade perante outras tarefas. O que impele o homem a sentir
tal avassalador fulgor que só a escrita consegue acalmar? Quem sabe, o dever de
escrever aquilo que tem que ser escrito. Encontro a harmonia desejada ao relatar esse acontecimento da
seguinte forma: O brilhante raio de luz da Lua rasgava o mar em dois, abismado
por esta espada dos deuses envolvo-me no beliche, em pensamentos tão profundos
como o mar gélido e longínquos como o
horizonte negro. Horizonte que termina
numa constelação em linha preenchida de ofuscantes estrelas. Que estrelas
rasteiras são estas que se confundem com as outras lá do alto? Afinal, não eram
estrelas, mas as luzes dos barcos que polvilhavam lá fora o horizonte
negro. E nesse instante penso na
dualidade da vida. No escuro há sempre uma luz. O mar de fora faz o barco baloiçar,
de borda a borda, ouço com clamor o chapinhar do mar salgado na proa. E como se
de um sino se tratasse, o compassado chapinhar, as badaladas que avisam os
seres marítimos que a hora da faina chegou. Chegado
ao mar da pesca, o mestre dá a ordem.
- Arreia a bóia!
- Em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo.
- Agora, ninguém sabe
quem vai bem ou quem vai mal.
Enquanto largávamos a rede a vinte mil rotações, fui atacado
pela magnificência daquele astro, que se colocava precisamente no meio do
pente, por onde a rede tinha o último contacto com o barco antes de descer as
profundezas do mar salgado. Poética visão, quase fazendo parar o tempo, não dei
conta que trinta minutos de rede larga tinha passado e que os últimos panos
estavam quase a sair. Interrompido pelo questionamento do mestre, acordei
daquele divino transe luminoso que ofuscou-me o espírito como nada nem ninguém
jamais tinha conseguido. Afinal a Lua é mãe de todos nós, penso que esse foi o
primeiro contacto que tive com essa mãe que foi e será mãe, muito depois das outras mães já cá não
estarem.
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