terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Dois Amores

Dois amores

Sempre fui demasiado dado,
A quem nunca soube receber,
Dessas bocas nem um obrigado,
Mas no final consegui perceber.

Mesmo que fosse comandado,
Nunca iriam engrandecer,
Aquele que por vocês encantado,
Nada vos faria para ofender.

É verdade, estava enamorado,
Não bastasse o carecer,
Tive que ir embalado,
Pelo medo do vosso amor não crescer.

Nem tudo se pode desejar,
Isso não me ajudou a entender,
O motivo da minha falta de ar,
Ao pensar que vos poderia perder. 




quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Medo Branco

Uma espessa cortina branca desmaia sobre nós. Branca como a espuma resultante do bater ondas que na praia morrem e renascem. Mas há algo na pureza dessa espuma que contrastava com aquele branco fantasmagórico. Seja onde for, em Terra ou no Mar o branco procura sempre impor uma estranha reverência, um fascínio acompanhado de um medo penetrante. Alojado nos ossos e em cada fibra do nosso corpo, este passivo clima fazia acelerar os corações dos homens mais experientes a bordo. Os novos,  maravilhados com o cerrado espectáculo que ocorriam perante os seus olhos, não comentavam. Ciente da situação, o mestre assemelhava-se aos cães de caça, perscrutando qualquer som ou movimento, a partir daquele momento os sentidos daquele ser apuravam-se, de facto, a responsabilidade era esmagadora. Os antigos recordavam aos mais novos; o medo branco, onde não há piloto, onde não há Terra, o medo branco, o medo branco... Os avanços tecnológicos permitem combater este medo intemporal, mas o mestre não confiava, este medo hereditário assim determina a sua conduta.  O horizonte branco, branco e mais branco,  faz com que os olhos cessem perante este infinito inferno branco. À ré ouve-se um assobiar, rapidamente silenciado pelo contra-mestre, dizendo; «Está assobiar? Estas a pedir ventos, cala-te e respeita!» Tal vento interior tinha sido impelido por um camarada novo que não conhecia as superstições ligadas ao Mar.
Ainda faltavam 60 redes para acabar de espender  - na gíria do Mar Algarvio significa suspender a rede do fundo - quando o nevoeiro cerrou completamente. Muitos seriam aqueles que teriam cortado a arte e rumado a Terra ao mínimo sinal do advento desse malfadado tempo. Mas eles não! Continuaram, esforçando o corpo e a mente a limites insanos! Todos sabiam que em Terra aguardava uma mesa por compor, onde se sentavam bocas esperançosa pelo suor encarnado no peixe do dia. 



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sentir

Vi pela primeira vez,
Senti pela primeira vez,
O aperto agonizante do inalcançável.

Não sabia o que pensar,
Mas o sentir voava, afastava a douta dúvida,
Segui esse sentir, queria estar nele...

Assim viverei sempre a vida,
Parado num enorme e desfasado Mundo,
Onde penso que sinto esse sentir.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lua


            Há dezoito anos que a humanidade não era presenteada, com o privilégio de ver de tão perto esta entidade astral  dona das marés. Embora nesse dia a faina não tenha sido a melhor, ao longo da tarde, o aperto do agonizante dever de relatar o cenário divino que presenciei, consumia a minha vontade perante outras tarefas. O que impele o homem a sentir tal avassalador fulgor que só a escrita consegue acalmar? Quem sabe, o dever de escrever aquilo que tem que ser escrito. Encontro a harmonia desejada ao relatar esse acontecimento da seguinte forma: O brilhante raio de luz da Lua rasgava o mar em dois, abismado por esta espada dos deuses envolvo-me no beliche, em pensamentos tão profundos como o mar  gélido e longínquos como o horizonte negro. Horizonte  que termina numa constelação em linha preenchida de ofuscantes estrelas. Que estrelas rasteiras são estas que se confundem com as outras lá do alto? Afinal, não eram estrelas, mas as luzes dos barcos que polvilhavam lá fora o horizonte negro.  E nesse instante penso na dualidade da vida. No escuro há sempre uma luz. O mar de fora faz o barco baloiçar, de borda a borda, ouço com clamor o chapinhar do mar salgado na proa. E como se de um sino se tratasse, o compassado chapinhar, as badaladas que avisam os seres marítimos que a hora da faina chegou.  Chegado ao mar da pesca, o mestre dá a ordem.
- Arreia a bóia!
- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
- Agora, ninguém sabe quem vai bem ou quem vai mal.
            Enquanto largávamos a rede a vinte mil rotações, fui atacado pela magnificência daquele astro, que se colocava precisamente no meio do pente, por onde a rede tinha o último contacto com o barco antes de descer as profundezas do mar salgado. Poética visão, quase fazendo parar o tempo, não dei conta que trinta minutos de rede larga tinha passado e que os últimos panos estavam quase a sair. Interrompido pelo questionamento do mestre, acordei daquele divino transe luminoso que ofuscou-me o espírito como nada nem ninguém jamais tinha conseguido. Afinal a Lua é mãe de todos nós, penso que esse foi o primeiro contacto que tive com essa mãe que foi e será  mãe, muito depois das outras mães já cá não estarem.

O começo de algo...

ex nihilo nihil, resumindo o latinório: "do nada vem o nada". Não serei o primeiro nem o último a reflectir acerca destas intemporais palavras, de facto, tudo começa por algum lado ou por algo, a dita génese. Por via de simples ideias ou acções, tudo o que já pensámos, em alguma época da História já o foi. Talvez no fazer ainda possamos encontrar e fomentar esse sentimento inebriante que é dar vida ou inicio a algo. Seguindo essa premissa, optei por publicar desta forma as simples e humildes palavras que a todo o instante me forçam e obrigam a debitar para o papel a sua existência.
A vida é uma momentânea ronceana de salitre. As ondas o caminho que temos pela frente e o barco a maneira como o atravessamos. Do embate das ondas na proa espalham-se milhões de partículas de água salgada, e nelas podemos ver todos os momentos da nossa vida e no salitre as marcas que ela nos deixou. Sem dúvida, esta Ronceana de Salitre será o começo de algo...